Aborto Legal e a nova onda de fake news após a fala da nova ministra das Mulheres

O óbvio também precisa ser dito e esclarecido, principalmente, dentro do meio digital, local onde mais se propagam as falsas notícias, as chamadas Fake News. As disseminações de notícias de conteúdo duvidoso ganharam um campo mais fértil a partir de 2018, ano das eleições que levou a vitória do candidato Jair Messias Bolsonaro. Entre seus apoiadores, era comum o cenário de divulgação de mentiras, tanto que em setembro de 2019 foi criada uma comissão Parlamentar Mista de Inquérito, presidida pelo Senador Ângelo Coronel, com a finalidade de investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, bem como a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições do ano de 2018.

Quem acompanhou o cenário político de perto em 2018, percebeu como uma grande massa populacional foi influenciada por informações falsas e o risco que elas oferecem a qualquer sistema democrático no mundo. Após quatro anos de governo e com uma pandemia que se espalhou no mundo todo, profissionais tiveram que enfrentar o vírus que ocasionou a morte de mais de 500 mil brasileiros e a desinformação sobre medidas de segurança e controle da doença. Tinham-se duas batalhas coabitando um mesmo espaço.

Vacinas foram alvos de informações inverídicas, produzidas pelo próprio presidente da República, reproduzindo informações contidas em sites negacionistas. Em 2021, Bolsonaro afirmou que pessoas completamente vacinadas contra a covid-19 teriam risco de infecção pelo HIV, que causa Aids. Uma mentira que ganhou espaço com o apoio de seus seguidores.

Toda essa escala de produção de conteúdo das Fake News não parou. Podemos afirmar que mudou apenas de foco. Nessa primeira semana de janeiro, o que ganhou destaque em vários portais de notícia foram trechos do discurso da fala da nova Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que afirmou ser uma das pautas a defesa do aborto legal. O fato é que, após as primeiras declarações da Ministra sobre a revogação de portarias que foram estabelecidas nesses últimos anos, com claro objetivo de dificultar que mulheres vítimas de violência sexual possam realizar procedimento de forma segura, sites e portais de noticiais, páginas com conteúdo de cunho religioso, criaram um verdadeiro alarde em cima da expressão “aborto legal”, como se ele não existisse, como se fosse algo que seria implantado agora pelo novo governo e que finalmente teríamos clínicas especializadas em “matar bebês”. Nesse cenário de desinformação de todos os tipos e com as mais variadas intenções, se faz necessário trazer esclarecimentos jurídicos do que, de fato, seria aborto legal e desde quando ele existe.

O Direito Penal protege a vida extrauterina e a intrauterina, ou seja, nessa última classificação a vida que está em formação no útero materno tem proteção prevista em nosso ordenamento jurídico. Aborto legal refere-se aos casos em que a lei permite que o procedimento seja realizado de forma segura para a mulher. Existem situações especificas em que o procedimento de aborto é autorizado pela legislação brasileira. O código penal brasileiro criminaliza o aborto praticado pela mulher com ou sem a ajuda de profissionais de saúde, mas em três situações específicas não se torna crime à realização do procedimento: em caso de estupro, nos casos em que há risco a vida da gestante (a mulher pode morrer caso continue a gravidez) e nos casos em que há um diagnóstico de anencefalia do feto, esse ultimo caso após decisão declarada pelo STF.

Falar sobre o aborto legal requer responsabilidade. O tema não surgiu ontem na nossa legislação. São previsões expressas e definidas por lei. Mesmo com previsões legais para situações especificas, de acordo com informações apresentadas pelo site https://mapaabortolegal.org/, brasileiras que passaram por situação de violência sexual, enfrentam dificuldades em realizar a interrupção da gravidez. Muitas vezes precisam se deslocar para outros hospitais para então realizarem o aborto.

Questões que envolvem o tema aborto no país devem ser discutidas no Congresso Nacional através de Projeto de Lei, não cabe ao poder executivo decisões que alterem o que a lei determina sobre as condições de realização do aborto. De acordo com reportagem do site generonumero.media a Câmara dos Deputados tem seguido com projetos contra o aborto, caminhando para o lado oposto do que vem acontecendo em outros países da América Latina. O Gênero e Numero afirma que “em 2019, 43% (12) dos projetos de lei que mencionavam a palavra aborto eram contrários à interrupção da gravidez”. Dificilmente teremos projetos que avancem sobre aborto e outras questões reprodutivas com a casa congressista composta em sua maioria por homens. Pensar no avanço de pautas femininas requer maior representatividade e participação das mulheres em processos eleitorais.

Em síntese, é importante frisar mais uma vez que o aborto já existe na nossa legislação para atender situações especificas e que o combate a desinformação deve partir de todos que tenham o mínimo de responsabilidade social.  A propagação de Fake News já mostrou os efeitos devastadores em processos democráticos e na própria ciência.

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