No artigo anterior falei um pouco da importância do dia de hoje, o 2 de abril é uma data celebrada mundialmente. Apesar de nos dias atuais o autismo ser um transtorno já conhecido da grande parte da população, muitos ainda não têm dimensão da proporção que ele causa. Em pesquisa recente nos EUA, estima-se que exista 1 autista para cada 44 nascimentos. É uma dimensão assustadora e devastadora se imaginarmos que esse número tende sempre a cair.
A nível de Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o órgão responsável pelo censo que a cada década levanta dados essenciais para políticas governamentais. O último levantamento, em 2010, estimava uma população de 45 milhões de pessoas com deficiência e uma subnotificação (sem dados precisos) de 2 milhões de brasileiros com TEA. A grande novidade para a pesquisa deste ano, que já está em vigor, é de uma pergunta significativa sobre pessoas no espectro, dados de muita importância para que sejam elaboradas políticas públicas vislumbrando melhorias em áreas como saúde, educação e assistência social.
Desde que a data da conscientização foi criada é destinada uma série de programações e manifestações ligadas à causa autista. Relevada a importância, assim como o Setembro Amarelo, Outubro Rosa e Novembro Azul, esta cor predomina roupas, cartazes e luzes misturada a um quebra-cabeças envolto a muitas dúvidas, mas a um só tom: o do AMOR.
Entendo que ainda muitas pessoas não consigam compreender a complexidade no TEA e é exatamente sobre isso que precisamos falar, expressar, conscientizar mesmo! Como a tantos exemplos que vejo e vivencio, muitas vezes nos surpreendemos e enquanto o meu filho e os demais autistas não conseguirem se expressar como devem, serei agente de voz. Não hesitarei. Há aproximadamente duas semanas levamos Gabriel (nosso filho mais velho, que é TEA) para reforço da vacina do Covid, enquanto eu e minha filha mais nova Marina esperávamos do lado de fora. Antes de entrar ele já ficou triste e não entendeu o porquê de a irmãzinha não entrar para segurar a mão dele, como da primeira vez. Meu marido o acompanhou e da porta já percebi a hostilidade de uma das colaboradoras no ponto de vacinação. Lá dentro, a aplicadora percebeu algo diferente nele por alguns rituais que ele apresentava; o pai segurava no colo dando previsibilidade do que ia acontecer (fator importantíssimo para não surgimento de crises). “- Pai, ele é especial?”, ela questionou. Diante da resposta positiva, teve toda paciência e cuidado. A deficiência, mesmo “invisível”, sem marcador característico, foi percebido por aquela mulher que, com sensibilidade, acolheu o medo do meu menininho ao ver a agulha. Nesse momento ele gritou e quis ir embora. A outra mulher, que estava à porta, gritou mais alto e disse: “- Menino, pare de gritar!”. Na mesma hora, o impulso do meu marido foi retrucar: “- Ele é autista!”. Ela ficou sem reação e apenas se afastou, sem dizer absolutamente nada.
Mesmo sem querer externar daquela forma também (meu esposo devolveu o grito), naquele momento foi a maneira que ele conseguir falar, conscientizar, informar… e continuaremos fazendo e falando nisso. Serão ainda muitos 2 de abril pela frente. O autismo tem sua dualidade natural, como em tudo na vida, mas se você me perguntar o que ele me trouxe de bom, sem dúvida alguma, foi a minha capacidade de enxergar pequenas coisas com muito valor, amizades verdadeiras, a controlar a paciência, amor incondicional em sua totalidade e o fator mais significante: a resiliência emocional e cotidiana, tive que me refazer diante de muitos cenários. O lado ruim é bem semelhante os percalços da vida: preconceito, muitos medos e incertezas.
Se o lugar de autista é em todo lugar, como rege a campanha deste ano, o que estamos fazendo enquanto sociedade para incluí-los de verdade? As últimas semanas assistimos incrédulos a uma série de absurdos que nos doeu profundamente; o primeiro foi o caso de uma bióloga que gravou um vídeo explicando o motivo por não usar máscara em um shopping, se intitulando autista e debochando da situação. Será indiciada e responderá por três crimes. O outro caso beira à desumanidade, era um vídeo de um adolescente autista em crise no saguão de um aeroporto. O motivo era a demora da comissária com a documentação, fato que a mãe já havia alertado que não houvesse atrasos dada a condição dele. A situação foi tão grave que ele se autolesionou, caiu ao chão e quebrou alguns dentes.
Todo esse preâmbulo nos serviu para retomarmos o tema da campanha deste ano, que é “Lugar de autista é em todo lugar”, sim, e…
– Praticando esportes em locais públicos;
– Se divertindo no parque;
– Fazendo amigos na praça;
– Indo a festas de aniversário;
– Viajando;
– Assistindo ao seu time no estádio;
– Na natação;
– Frequentando a escola regular;
– No palco se apresentando;
Na fase adulta (precisamos falar mais sobre isso):
– Namorando;
– Casando
– Tendo filhos. Sim! É possível!