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Rafaela Gurgel

Relato sobre mãe de autista

Essa parte de minha história começa a partir do ano de 2011, ano que conheci meu esposo. Como qualquer casal apaixonado tínhamos planos a longo prazo, namoramos um ano, noivamos e nos casamos no ano de 2013. As expectativas eram as mesmas, pretendíamos ter filhos logo, o desejo eram dois; essa parte da história vocês entenderão mais à frente. Nosso primeiro sonho se concretizou 1 ano e três meses após nosso casamento, tudo era muito novo, estávamos felizes e encantados a cada etapa e descoberta que a vinda do nosso bebê nos proporcionava. Mês a mês levávamos nosso filho às consultas de rotina, sessão de fotos, aniversário de crianças, idas ao parque, etc. O tempo passava e nada de anormal me chamava atenção, o desenvolvimento acontecia dentro do esperado: firmou o pescocinho, sentou, engatinhou, nos olhava, sorria, chorava, balbuciava… falou sua primeira palavrinha faltando dias para o primeiro aninho: “mama!”. Meu coração explodiu de gratidão e felicidade. Andou aos exatos 1 ano e dois meses, estava tudo dentro da normalidade até que algumas situações começaram a me inquietar, ele ficava grande parte do dia com minha mãe para que eu pudesse estudar e trabalhar; nas minhas idas e vindas em casa para refeições fui surpreendida com relatos da minha mãe, onde também pude presenciar. Gabriel havia enfileirado vários carrinhos pequenos por forma e cor, ficava extremamente irritado e choroso se alguém desmanchava o que havia feito, também começou a andar na ponta dos pés, brincar de forma disfuncional e regrediu também no comportamento vocal, pois antes apontava e verbalizava algumas poucas palavras e, a partir daquele momento, só emitia estereotipias vocais sem função.

Daquele momento em diante eu não tinha a dimensão do giro que a minha vida iria dar, uma tempestade se aproximava e exigiria de mim uma força e resiliência emocional que me faria sair do casulo definitivamente. Hoje percebo a grandeza que aquele período me trouxe, dos ensinamentos e transformações pessoais e profissionais jamais sentidos em toda minha vida. Meu menininho se aproximava dos dois anos de idade quando foi levantada a hipótese do autismo, sendo indicada uma ida a um neuropediatra para uma investigação. Esta possibilidade diagnóstica mexeu muito com as estruturas familiares pois havia divergências e impacto com o que iria acontecer. Mesmo com todo o caos e temor, meu marido e eu decidimos encarar e o levamos. A primeira experiência com o médico neuropediatra não foi das melhores, ao ponto de não mais retornarmos a ele; ficamos frustrados e desmotivados diante a conduta abordada pelo profissional e isso nos fez adiar por mais alguns meses uma nova consulta.

Passado um curto período, após algumas pesquisas, encontramos uma nova possibilidade para consulta, dessa vez em Natal. Um adendo: é importante ressaltar que a nossa realidade local nos desampara quanto ao atendimento clínico, pois temos pouquíssimos médicos com essa especialidade para um público que só cresce. Quanto à nova médica da capital, gostamos bastante, fomos acolhidos e bem direcionados a quais caminhos deveríamos percorrer. Ali começava a batalha, ou saga, de conseguir uma disputada vaga para terapias no plano de saúde para atender a demanda do que Gabriel necessitava: fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. Considero este o caminho mais doloroso e penoso a se cumprir, pois é o momento em que você está de luto e precisa seguir, fora que o meu processo de luto foi dobrado – minha mãe acabava de falecer também naquela oportunidade de maneira repentina e tive que agir em meio ao caos. O meu tempo foi de dois meses, chorei, me desesperei, questionei até Deus diante tantas provações, mas lambi as feridas e enfrentei o combate. Consegui a primeira profissional para intervenção, uma psicóloga, que me acolheu, direcionou e avaliou que meu filho necessitaria de acompanhamento por tempo indeterminado. Não sei explicar com propriedade o sentimento que me acometeu naquele instante: medo, tristeza, insegurança… foram muitos… Me sentia despedaçada, perdida, sem perspectiva. O que fiz naquele momento foi orar a Deus, chorar e entregar e, acima de tudo, confiar meu filho aos cuidados da equipe que estava começando, a fonoaudióloga também entrou. Era o que poderia ser feito. Percebia que quando o medo e agonia me tomavam, internalizava aquela frase: “vai com medo mesmo!”.

Ao iniciar com as primeiras intervenções, ouvi da psicóloga e fonoaudióloga a mesma frase: “seu filho está em zona de risco para autismo!”. Para quem não sabe o que isso significa, isto quer dizer que a criança será observada e avaliada por um tempo por uma equipe multidisciplinar até que se feche ou não um laudo diagnóstico. Este protocolo é necessário para que se tenha certeza sobre qual distúrbio do neurodesenvolvimento a criança está, se realmente é autismo, TDAH ou qualquer outro transtorno de aprendizagem. Como o diagnóstico é clínico, ou seja, a partir de observações e acompanhamentos, nenhum tipo de exame de sangue ou de imagem é capaz de pontuar se o indivíduo tem TEA ou não.

Passados quase 4 anos de acompanhamentos médicos semestrais e de horas de intervenção semanal com a equipe multiprofissional, em março de 2020, fomos a neuropediatra que o acompanha e de lá saímos com o laudo definitivo: Transtorno do Espectro do Autismo, nível 1.  Ao se constatar o que antes pairava como suspeita tem seu lado confortador, surgem novos patamares, perspectivas, expectativas… enfim, novos horizontes e desafios. Ah, estes são inúmeros. Então aguardo vocês para os próximos relatos, até lá!